sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

A Fábula das Formigas Adormecidas



Era uma vez...

Não! 

Para essa estória, o verbo não fica só no pretérito, pois ainda acontece e continuará acontecendo.

Tudo transcorre num terreno relativamente grande para os padrões das áreas habitadas numa cidade de médio porte.

Uma casa de alvenaria modesta, com três quartos e demais dependências ocupando o terço frontal do terreno que dá acesso a uma rua tranquila e com calçamento de paralelepípedos de granito.

Na frente, uma pequena varanda e mureta com flores e um espaço para duas cadeiras de vime separadas por uma mesinha de igual material com tampo de vidro.

O jardim divide o espaço com a calçada de cimento bruto, uma estreita para acesso de pedestres e outra mais larga para a entrada de carro numa garagem lateral. No canto do muro, hortênsias se destacam em volume em relação a grama bem aparada e as pequenas margaridas que ladeiam a calçada.

Nos fundos da residência, um espaço mais amplo. O gramado divide o lugar com um ipê que costuma cobrir o verde com suas caducas flores amarelas. Um amontoado de caliça ao fundo, proveniente da construção da churrasqueira ainda com a argamassa úmida não invade a bem cuidada horta, xodó da dona da casa.

Apesar da manutenção constante do jardim e do quintal, montinhos de terra denunciam a presença das comuns formigas nesses locais.

Esses insetos se multiplicam rapidamente e acabam constituindo suas comunidades, onde atuam como obreiros incansáveis.

A venerável formiga comanda a harmonia dos operários no formigueiro. Todos são parecidos e são reconhecidos pelo toque de suas antenas. Assim, a labuta pode continuar normalmente.

O empenho de todos garante a existência do formigueiro. Uns grandes, outros pequenos, mas todos com o objetivo de ser o reduto de trabalho e proteção dos seus.

Formigas entram e saem de seu habitat com o intuito de colaborar com a perfeita e equilibrada existência do mesmo.

Mas algumas formigas acabam se desgarrando do grupo, indo explorar outros ambientes, talvez cansadas da monótona vida que levam, cavando suas galerias.

Existem aquelas que se lançam em aventuras diferentes. 

Umas sobem até o topo da árvore e acabam não voltando ao convívio do grupo. Com o passar do tempo, perdem até a identidade que tinham do formigueiro-mãe. Vivem da lembrança de como a união era importante. 

Hoje, solitárias, tentam se identificar como formigas perante outros insetos. 

Acreditam que sendo uma legítima formiga, podem ter distinção entre besouros, abelhas, gafanhotos e moscas. 

Porém, de nada adianta ela tentar aplicar seus fundamentos entre indivíduos tão diferentes e que possuem outros valores e interesses. 

Esse tipo de formiga vai se sentir bastante enfraquecida e exposta a ação de seus predadores naturais, já que não conta com a proteção de seu formigueiro.

Também existem formigas ambiciosas que se arriscam muito mais longe. 

Conseguem invadir o espaço doméstico. 

Para ela, o interior da casa é o local mais nobre e seguro.

Divide o espaço como o todo-poderoso ser humano. 

Tem acesso fácil aos restos de comida e está protegida das variações climáticas lá de fora. 

Acham-se invulneráveis.

Transitam por todos os cômodos e não se arriscam em sair de seu "palácio" para não serem reconhecidas por outras formigas do seu ex-formigueiro com o receio que tenham de fazer algum favor para uma de suas irmãs de origem.

Mal sabem que podem ser dedetizadas a qualquer momento pelo gestor da residência.

Enquanto isso, seguem os trabalhos para a manutenção do formigueiro e para a preservação de seus indivíduos como legítimos integrantes da espécie.

Rogério Francisco Vieira
Biólogo e Professor

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